#36 - os favoritos de 2023 (livros, filmes e séries)
Succession, Annie Ernaux, Cafarnaum, Nella Larsen, Insecure, Clarice Lispector e muito mais...
este não foi um ano de imensos acontecimentos, mas de pequenos e significativos. toda vez que me pego fuçando em fotos ou textos antigos, tomo um susto… é quase como se não me reconhecesse naquele registro que um dia me representou tanto. acho engraçado como a passagem do tempo passa despercebida, como somos tão desatentos nas pequenas evoluções e mudanças, até parar pra pensar calmamente e colocar na balança. colocando em perspectiva, muita coisa aconteceu: o nascimento desta newsletter, FLIP, Bienal do Livro RJ, primeira viagem internacional para a Argentina, novas amizades, inúmeras frustrações pessoais e crises de autoestima, amadurecimento na escrita, mudanças no relacionamento, eventos literários, exaustão e desmotivação no trabalho, choros, passeios culturais, gato doente, almoços em família, comida boa e algumas evoluções que a princípio pareciam pequenas, mas que agora, sendo justa comigo mesma, foram imensas. e em meio a tanta bagunça, os livros como segurança e força foram uma constante, bem como os filmes, séries e diversas outras manifestações artísticas, que são, no final das contas, os aspectos mais marcantes e que fizeram com que meu ano valesse a pena.
FILMES FAVORITOS DE 2023
sem me estender muito para não render mais textão (pois lá pra baixo tem bastante esperando por vocês rsrs), os filmes acima são os que se destacaram dentre coisas duvidosas e bobas que me permiti assistir em dias de total exaustão e preguiça. além dos duvidosos, houve surpresas positivas entre terror (fazia um tempão que filmes de terror não me pegam tanto quanto X, Pearl e Speak no Evil), drama (hiper mega pesados e tristes como Cafarnaum e Filhos do Paraíso) e romance (Take This Waltz ganhou completamente meu coração e Malcom & Marie me conquistou demais pela angústia e a atmosfera tão realista da discussão entre o casal). gostei de notar que dois dos filmes envolvem relação com crianças (Sempre em Frente e O Garoto da Bicicleta) que exalam a simplicidade do cotidiano e também as dificuldades de lidar com os sentimentos conflituosos de um ser em desenvolvimento. são histórias possíveis, muito tocantes e principalmente humanas justamente por levantarem problemas e situações delicadas dos personagens, que nunca são fáceis de julgar e não estão ali para serem julgadas. poucos dessa lista eram filmes que eu genuinamente estava interessada em ver, sem prioridades para a lista de “quero ver” que costumo seguir à risca. no fim, me surpreendi e estou satisfeita com o resultado.
ps: acredito que sou uma das únicas pessoas que ainda usam filmow em tempos de letterboxd (gosto mais do filmow por permitir registrar séries além de apenas filmes, e pela nostalgia dos anos 2000 comentando e descobrindo filmes em listas criadas por adolescentes cinéfilos), mas se você também usa ou quiser saber mais das minhas listas de assistidos, quero ver, e favoritos, basta acessar meu perfil aqui.
SÉRIES FAVORITAS DE 2023
Succession independente de qualquer coisa ou opinião, é definitivamente a produção mais bem executada que me deparei até hoje (e com os personagens mais detestáveis já vistos na ficção), o louco é que comecei com um pé atrás e se tornou uma necessidade chegar até o último episódio. difícil imaginar uma série que tenha me causado tamanha gastura quanto essa com seus dilemas mesquinhos, dilemas de uma família dentro da elite cínica e disfuncional em todos os âmbitos da vida, desde emocional e afetivo até social e corporativo, resultando ainda no político. poderia dedicar 86579 caracteres para descrever o tanto que essa série (infelizmente) representa o mundo, o quanto pessoas como esses personagens, são os controladores do mundo, mas apenas deixo o convite para que você assista e tire suas próprias conclusões.
Insecure é sobre a vida e os percalços de tentar se sair bem nas diversas esferas que tentamos equilibrar, e acompanhar o amadurecimento não só de personagens absolutamente cativantes, mas também da produção como um todo, foi uma jornada deliciosa, viciante e indispensável para esse ano em que me vi com dilemas tão parecidos com os da personagens.
Better Call Saul me gera um sorriso só de lembrar, sendo provavelmente a que ganhou um espaço maior no meu coração e nos meus pensamentos. é difícil demais descreve o porquê essa é uma série tão incrível, mas diria que as camadas dos personagens e as relações/química entre eles foi o que me conquistou quase de imediato.
Atlanta confirmou que o que eu mais gosto de acompanhar numa produção, é sua evolução e amadurecimento. gosto também da forma que a série se propõe abordar a falta de objetivos ao entrar na vida adulta, aquele período repleto de sonhos, incertezas, medos, reviravoltas, frustrações e cagadas. destaco também os episódios únicos que inovam dentro do conceito de humor em sitcoms, aliás, tudo aqui é muito bem pensado; desde questionamentos e pautas sociais (raciais, gênero e classe), até a dinâmica de humor que se diferencia por não subestimar a inteligência do telespectador, por fugir completamente do óbvio, se garantindo não só no humor, mas também no drama repleto de camadas, dando muito espaço para interpretações.
A Maravilhosa Sra. Maisel veio num momento ideal em que eu estava de saco cheio de tudo, sem paciência para qualquer coisa me fizesse pensar muito, tornando-se literalmente uma válvula de escape perfeita. entre romances, dramas familiares, amadurecimento profissional e muitas risadas, Maisel é apenas uma das personagens que invadem nossas mentes, pois cada personagem ali ganha um destaque especial, um arco tão bem construído que torcemos para quase todos na mesma medida. a cada temporada me pegava mais obcecada e contagiada pelo universo de época.
TRECHOS FAVORITOS DE 2023
a lista de melhores leituras na íntegra saíra lá no instagram pelos próximos dias, mas quis trazer pra cá algo mais específico: os trechos das leituras que me marcaram de alguma forma neste 2023, sendo dez dos meus livros favoritos lidos neste ano. sou apaixonada pelo ato de revisitar os destaques em post it e marca texto, sentir novamente aquela sensação que uma história é capaz de causar, seja pela identificação, estranhamento ou pura admiração do conjunto daquelas palavras ali no papel que te brilha os olhos. como doida das marcações, nada mais propício que registrar aqui os trechos que me arrebataram encerrando o primeiro ano de newsletter.
“Na frente dos meus conhecidos, eu tentava não transparecer essa obsessão nas minhas palavras, embora isso exigisse uma vigilância constante e difícil de manter. No cabeleireiro, vi uma mulher muito tagarela, com quem todo mundo falava com naturalidade até o momento em que ela disse, a cabeça reclinada no lavatório, “faço um tratamento para os nervos”. Na mesma hora, imperceptivelmente, os funcionários começaram a tratá-la com certa distância, como se essa confissão irrefreável fosse a prova de seu transtorno. Eu sentia medo de soar anormal como ela se dissesse “estou vivendo uma paixão”. Mas, quando estava entre outras mulheres, no caixa do mercado, no banco, ficava imaginando se elas também viviam com um homem na cabeça, e, se não, como faziam para viver assim - do mesmo modo que eu vivia antes -, isto é, tendo apenas a perspectiva de espera pelo final de semana, por uma ida ao restaurante, pela aula de ginástica ou pelos resultados escolares dos filhos: tudo aquilo que para mim, agora, era cansativo ou indiferente.” (Paixão Simples, de Annie Ernaux)
“A maioria das pessoas ficaria apavorada se a gente espiasse por suas janelas, e isso nem é ilegal, assim como seguir as pessoas na rua está dentro da lei na maioria das vezes. Para mim, grande parte das perversões nascem de um sentimento de insignificância (…). É muito fácil seguir alguém; já tentou? São tantas vidas diferentes nesta cidade que, não importa para onde se olhe, a gente vai dar de cara com a realidade de alguém, e às vezes me assusta pensar quantas pessoas no meu entorno respiram, dormem, tomam banho e consomem recursos neste exato momento, quantas maneiras existem de fazer as coisas. Cresci numa cidadezinha, então muitas vezes não consigo acreditar direito que existam tantos de nós aqui. E, no entanto, a gente conhece a vida de poucas pessoas, e agora que decidi vir aqui a esta consulta com o senhor, tenho mais medo da solidão do que nunca. O senhor preencheu aquelas quatro molduras na sua mesa com rostos lindos, construiu sua fortaleza contra a solidão, ou pelo menos acha que sim, mas eu não vou poder mais fazer isso, e isso me assusta. E se, como o monstro de Frankestein, acabo olhando para a felicidade doméstica das outras pessoas feito uma pervertida só para ser enxotada como um pombo sujo, com os membros apodrecidos pela própria desgraça?” (A Consulta, de Katharina Volckmer)
“acordou pesada. levantou muito ligeiramente a cabeça e começou logo a chorar. era um choro pequeno, de tristeza muito habituada, uma tristeza a vir quotidianamente para sempre, para completar o tempo que ainda teria de viver. a velha dona albina, lembrou-se, morrera de amor. dissera o padre sem rodeios, sentou-se na sacristia a entristecer e foi em poucos dias. a maria da graça sentou-se na cama, percebeu que morreria também, em poucos ou muitos dias, morreria certa de que o seu coração se recusaria a pactuar com a solidão a que estaria obrigada. seguiu para o banho, começaria a procurar novos patrões para ver se morria mais devagar. devagar como, de qualquer modo, lhe parecia mais difícil morrer de amor.” (O Apocalipse dos Trabalhadores, de Valter Hugo Mãe)
“Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. Meu Deus! não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz se conserva porque se arrasta consigo outra pessoa. Há alguém que sempre a observa, que a perscruta, que acompanha todos os seus movimentos. E mesmo o cansaço da vida tem certa beleza quando é suportado sozinho e desesperada - eu pensava. Mas a dois, comendo diariamente o mesmo pão sem sal, assistindo à própria derrota na derrota do outro… Isso sem contar com o peso dos hábitos refletidos nos hábitos do outro, o peso do leito comum, da mesa comum, da vida comum, preparando e ameaçando a morte comum. Eu sempre dizia: nunca.” (Perto do Coração Selvagem, de Clarice Lispector)
“Certamente ainda existiam vários outros tipos de agonia contidas nas agonias que vêm de dentro e nas que vêm de fora também, e deviam ser infinitas as agonias do mundo. Tem a agonia de quem sente fome, os que vêm sempre pedir comida porque têm fome, eles devem sentir agonia também, e o pai e a mãe, por causa do irmão, estão em extrema agonia, e as vacas, todo dia, com o leite sendo tirado por pessoas que não se importavam, deviam sentir agonia, e o porco, quando morre, faz um barulho tão alto que devia ser a maior agonia do mundo, a vó, enquanto morria, o vô, enquanto construía a casa, a professora, com todo mundo na sala de aula e tendo que ensinar coisas diferentes para cada aluno e o barulho que cada aluno fazia, e o homem da prefeitura que abria as estradas e aquela máquina fazia muito barulho e continuava a agonia.” (Dias de se fazer silêncio, de Camila Maccari)
“Sua mente, oscilando de volta para a proteção que a religião tinha proporcionado a ela, quase desejou não ter perdido a fé. Era uma ilusão. Sim. Mas melhor, muito melhor que aquela terrível realidade. A religião tinha, é verdade, sua utilidade. Entorpecia as percepções. Afastava a vida das verdades mais cruéis. E certamente tinha utilidade para os pobres, e os pretos. Para os pretos. Os negros. E era isso, Helga decidiu, que afligia toda a raça negra nos Estados Unidos, esse inútil credo no Deus dos homens brancos, essa crença infantil na compensação integral por todos os problemas e privações quando chegar o “reino dos céus”. A convicção absoluta de Sary Jones, “no mundo que virá seremos todas recompensadas”, voltou-lhe à mente. E dez milhões de almas estavam tão certas disso quanto estava Sary. E como o Deus dos brancos deveria estar gargalhando da grande piada que tinha armado para eles! Prendê-los à escravidão, e depois, à pobreza e o escárnio, e fazê-los suportar isso sem resistência, quase sem reclamar, por conta das doces promessas das mansões no Céu e por aí vai.” (Areia Movediça, de Nella Larsen)
“Mas Deus não existe, pensamos, depois de uma noite inteira passada no assoalho, com os membros todos doloridos e longos arrepios de frio e de sono. Deus não existe, porque não teria podido inventar este mundo absurdo, monstruoso, esta complicada maquinação em que um ser humano caminha só, de manhã, na neblina, entre casas altíssimas habitadas pelo próximo, pelo próximo que não nos ama e a quem é impossível amar. E do próximo também faz parte aquela raça monstruosa, inexplicável, que é de sexo diferente do nosso, dotada de uma terrível faculdade de nos fazer todo bem e todo mal, dotada de um terrível poder secreto sobre nós. Acaso poderemos agradar a essa raça diversa, nós, que somos tão desprezados por colegas de nosso próprio sexo, julgados tão tediosos e inúteis, tão ineptos e desengonçados em tudo?” (As Pequenas Virtudes, de Natalia Ginzburg)
“Diversas coisas podiam se seguir depois do “mas…”. Essas diversas possibilidades me observavam de um lugar um pouco afastado, em silêncio. Por causa desse olhar, havia muito tempo eu vivia com um sentimento que era um misto de impaciência, irritação, depressão ou nenhum deles. Conhecia bem esse meu sentimento, mas não conseguia encarar de frente esse olhar. Porque tinha muito medo. Uma vez pensando nisso que me observava fixamente, acabaria concluindo que essas coisas boas nunca iriam acontecer na minha vida. No fundo sabia muito bem que chegaria a essa conclusão, por isso desviava o olhar e evitava pensar a respeito. No entanto, ficava cada vez mais confusa, sem saber se minha ansiedade se distanciava cada vez mais, ou se ela vinha em minha direção.” (Peitos e Ovos, de Mieko Kawakami)
“As pessoas precisam constantemente escolher algo em que se apoiar, pensou Maud Martha. As pessoas têm de confiar em alguma coisa. Mas o amor de uma pessoa só não é suficiente. Não apenas o amor pessoal, por melhor que fosse, era uma coisa que variava semana a semana, segundo a segundo, mas as partes envolvidas nele podiam, por exemplo, morrer a qualquer minuto, ou, de outra forma, ser apartadas ou destruídas. A qualquer momento. E não apenas o amor romântico entre um homem e uma mulher poderia falhar, mas também o amor mais substancial entre pais e filhos; entre irmãos; bichos; de amigo para amigo. Nesses amores também não podemos nos apoiar muito. Poderia ser a natureza, que possui uma semente, uma raiz ou um elemento (como você quiser chamar) de constância, atuando sob todo esse sistema de mudanças. (…) Poderia ser, ela refletiu, um casamento. A casca do casamento, não o casamento, não o romance, ou o amor, que poderia conter. Um casamento, o mais simples, o mais estável, o melhor. Um casamento feito de jornais de domingo e pés descalços, biscoitos caseiros, banhos no bebê, matinês, funcionários da lavanderia e pés de batata na janela da cozinha. A vida inteira do ser humano, talvez, seja dedicada a essa busca por algo e que confiar, e quem sabe, em grande medida, sua “felicidade” ou sua “infelicidade”, sejam previstas a partir das demandas ou das limitações daquilo que ele escolheu para cumprir esse trabalho? Pois era um trabalho. Confiar era um trabalho.” (Maud Martha, de Gwendolyn Brooks)
“Ninguém se dá conta de que de uns dias pra cá eu ando aérea o tempo todo. Não consigo prestar a mínima atenção ao que faço, meus gestos são guiados somente pelo hábito. Tenho vontade de ficar quieta: se pudesse, permaneceria horas e horas deitada na cama, pensando, mesmo sem seguir um pensamento preciso. Gosto de me perder na certeza de estar viva. Sinto sempre uma presença afetuosa no ambiente, um olhar condescendente. Quando estou em casa, vou muitas vezes até a janela como se esperasse avistar alguém passando na absurda esperança de me ver. O ar ao redor tem um vigor novo e as coisas adquiriram novos atrativos a meus olhos; já não estou cansada e, ao contrário, agrada-me que o dia comece, cada dia me parecendo convidativo.” (Caderno Proibido, de Alba de Céspedes)
desculpem os trechos imensos e obrigada quem chegou até aqui! que 2024 venha muito feliz não só nas fugas pela ficção, mas na vida como um todo!!!
Adorei conferir a sua lista de favoritos do ano! Esse ano eu quero muito criar uma lista de séries e filmes que quero assistir porque ultimamente estou tendo dificuldades de achar algo que prenda a minha atenção. Com certeza vou incluir alguns das suas indicações ❤️
como as páginas de um livro que revelam o cringe você falar do filmow desse jeito.
vhm escreve bem, né?! pena que não curto ele como pessoa. em 2024 eu vou ler annie ernaux e fodasse. muito legal seus favoritos de 2023. espero que em 2024 tenha mais descobertas legais e que você seja menos cringe, pfvr =]