#58 - por que eu coleciono cadernos? (ou como nasce uma obsessão?)
uma investigação do objeto papel em minha vida
não sei de onde surgiu minha grande paixão pelo objeto papel, mas existem algumas supostas explicações. minha tia colecionava papel de cartas e me passou esse gosto logo na infância, a ponto de eu ansiar pelos dias em que ela me cederia algumas de suas raridades. considerava aquela pasta cheia de papéis decorados e cheirosos como um objeto sagrado, mais sagrado que absolutamente qualquer coisa que eu poderia ter.
ainda antes disso, reza a lenda que eu andava pela casa da minha vó com canetas, lápis e papéis, que sempre tive uma adoração por esses objetos. lembro ainda de uma máquina de escrever velha que meu pai arranjou em algum lugar (tal como eu, ele colecionava velharias e tinha um quarto cheio de papéis aleatórios, objetos interessantíssimos que não deixava ninguém se aproximar sem a sua presença), e essa máquina de escrever foi uma alegria sem fim. eu passava horas digitando qualquer coisa, palavras sem sentido, letras aleatórias, tudo pelo prazer de digitar. houve ainda uma escrivaninha velha que meu pai também arranjou por acaso, provavelmente na rua, e me lembro perfeitamente de sentar ali por horas, encantada com a ideia de ter uma mesa completamente minha, em que eu podia desenhar, pintar, organizar meus poucos objetos de papelaria, sendo grande parte de segunda mão.
adesivos, figurinhas, folhas de caderno, caderninhos, revistinhas, cadernos escolares papéis de carta, selos… os papéis passaram por diversas configurações até assumir a forma principal na minha vida: o livro. ainda me lembro do dia em que encontrei o livro que viria a ser o meu favorito, a entrada para esse universo que nunca mais me abandonou e ditou muitos acontecimentos relacionados ou não com o ato da leitura: meu primeiro emprego (e muitos outros empregos que eu viria a ter); choros; alegrias e grande parte do que sou, do cotidiano que escolho todos os dias. tentei desviar da literatura por alguns anos ao cursar psicologia e trilhar um caminho pelo RH, mas logo me vi puxada novamente pra esse negócio magnético que é a arte.
para além dos livros, há pelo menos uma década me reconheço como uma assumida obsessiva por caderninhos. me vejo economizando em coisas que não deveria economizar tanto assim (tenho várias calcinhas e meias furadas, estudo por semanas para investir numa mochila ou numa jaqueta, praguejo ao descobrir o quanto preciso pagar por um óculos, passo cerca de 11 anos com uma mesma calça moletom furada ou um casaco desgastado e choro para investir num tênis de qualidade), mas se um caderno me chama a atenção, pago o quanto for para o ter em mãos. questiono absolutamente o preço de qualquer coisa, me torno a maior anticapitalista com teorias, prego o absurdo e o descaso que é feito com o nosso dinheiro “e que ridículo a gente ter que pagar isso numa calça básica”, mas um caderno/ bloco/ caderenta/ moleskine é capaz de calar a minha boca imediatamente. compro e folheio com gosto, sorrio e me sinto completamente preenchida por um objeto que ficará por anos sem ser usado, mas que ainda assim me emocionará saber que ele está ali numa prateleira de casa, me esperando e disposto a aceitar qualquer coisa que eu queira escrever ou desenhar.
claro que eventualmente utilizo alguns desses cadernos, mas são tantos que nem se eu vivesse 100 anos, preencheria tudo (curiosamente, nunca consegui manter diários apesar de amar escrever). parte deles estão repletos de anotações de leituras, alguns outros com anotações de trabalhos e ideias que gostaria de transformar em realidade, teve até um pequenino que se tornou uma longa carta de amor para uma pessoa especial na minha vida (sempre escrevi muitas cartas e ansiei receber tantas outras até tornar-se quase parte da minha personalidade, a ponto de gente que nunca nem tinha escrito uma carta, decidir me escrever).
lembrei ainda que armazeno na mesinha de cabeceira algumas cadernetas pequenas. eram cadernetas que eu deixava do meu lado enquanto assistia um filme ou uma série no intuito de registrar diálogos e passagens do que estivesse assistindo. literalmente pausava o que quer que fosse para anotar aquela frase, e no futuro reler inúmeras vezes, quase uma necessidade de não deixar que o belo passasse por mim sem que eu pudesse eterniza-lo.
acreditei que minha obsessão terminaria com os livros e os cadernos nunca usados, mas como se não bastasse essas formas que o objeto papel assumiu na minha vida, descobri a arte da colagem. nunca pensei que colecionar papéis raros e antigos, garimpar revistas velhas, encontrar uma nova funcionalidade para a embalagem que iria para o lixo, recortar e unir tudo isso do jeito mais liberto possível seria uma forma de arte. não imaginava o quanto ainda os papéis me surpreenderiam e o quanto eu poderia criar, tal como os autores e autoras que amo, criam ao escrever.
talvez todos esses papéis sejam uma forma de conexão com o passado, com a figura paterna amada que se ausentou da minha vida muito cedo, com os momentos que de alguma forma me proporcionavam um prazer inenarrável, com os natais em que esperava por horas para abrir um pacotinho contendo dezenas de cartelas de adesivos de 99 centavos, com um sticker album que me proporcionava momentos de troca com minha prima, com as folhas de fichário que eu trocava e exibia na escola, com o prazer de copiar um texto da lousa da escola, com o encanto ao olhar as letras tomando forma num papel em branco (enquanto toda a sala de aula chiava com a professora, eu disfarçava a felicidade de ter um texto para transcrever naquele caderno de um personagem que eu implorava tanto para minha vó comprar). independentemente do porquê, percebo a beleza do acaso em ter me feito olhar com atenção para a simplicidade e imaginar as imensas possibilidades a partir de um papel em branco.
Ah que delícia! Eu colecionei papéis de carta quando era criança! Era tão lindo e fofo! Também gosto de cadernos, mas acabou investindo em livros 🥹 usando meias furadas, como vc rsrsrarsrs
adorei! eu amo cadernos e sempre utilizo eles como “diários”, mesmo não escrevendo todo dia! também não tenho dó de gastar neles kkkkkkkk