#55 - cinco acontecimentos que marcaram os últimos dias
Hilda Hilst, olhares sobre relacionamentos violentos, colagens, cursos e decoração
1. a leitura de duas autoras que escrevem sobre a vivência em relacionamentos violentos
Boca de Cachorro Louco e Virgínia Mordida foram lidos quase em seguida, num acaso que adoro chamar de destino. tanto Jeovanna Vieira quanto Kah Dantas oferecem uma honestidade brutal através das palavras, onde cada página torna-se um espelho das nossas próprias fragilidades, defeitos e traumas. em paralelo, os homens com quem as personagens se relacionam têm uma coisa em comum: são adoráveis a princípio, mas logo revelam traços violentos, manipuladores e completamente cruéis, ao ponto da gente não acreditar no que lê. homens aparentemente legais que já esbarramos por aí em algum momento na vida. os relato poderiam ser confundidos com histórias de amor intensas, até de fato escancarar o que realmente são: relações de poder, relações tóxicas, violentas e muito frequentes.
mesclando o erótico, o horror, o humor, a prosa e o poético, em capítulos curtos, as autoras se destacam na escrita intimista, que poderiam servir muito bem como um diário, e assim, exploram o universo de um relacionamento tóxico em suas diferentes fases e em toda a sua complexidade. ambas as leituras me ganharam pela ousadia em desmistificar o que se imagina de um relacionamento romântico, desmistificar a “facilidade” em reconhecer e se afastar de uma situação abusiva, desmistificar os julgamentos que uma mulher é submetida (muito mais do que o próprio agressor) nesses casos. acima de tudo, me encantei com a capacidade das escritoras em lembrar do costume enraizado de infligir dor em nome do amor, lembrar o quanto é muito fácil esquecermos de todas as nossas grandiosidades por causa de um outro, da culpa que nasce com a gente, dos perigos constantes que atravessamos para encontrarmos um pouco de amor, bem do jeitinho que se é esperado há séculos e séculos. fui tragada por Jeovanna Vieira e Kah Dantas, li obcecadamente cada página, admirando e odiando por ser tão real.
2. a decoração do meu próprio apartamento
tenho compartilhado bastante sobre a decoração do apartamento lá no instagram entre vídeos bobos e fotos. depois de quase cinco meses, finalmente meu espaço se encontra praticamente pronto. e para onde quer que vá, o maximalismo me acompanha. não tem jeito. gosto de colecionar coisas desde que me entendo por gente. me lembro do espaço pequeno de guarda-roupa que tinha na casa da minha vó, e antes mesmo de eu completar 10 anos, já era tomado por adesivos, selos, papéis de cartas, cadernos, livros, chaveiros e tudo que cruzava meu caminho. achava incrível passar o tempo analisando e apreciando todos aqueles objetos bonitos. acredito muito no valor emocional que a estética carrega no que a gente veste no corpo ou pendura nas paredes da nossa casa. hoje, o pequeno espaço do guarda-roupa na casa da minha avó, se tornou um apartamento inteiro de coleções. me lembrei de uma super propícia citação de noemi jaffe que brilhou meus olhos da primeira vez que li lá na Escrevedeira, e traduziu o sentimento de acolhimento que procuro quando decoro e passeio pelo meu apartamento, talvez o sentimento que por muitos anos, me parecia inalcançável:
3. cursos gratuitos da Seiva
como parceira da Seiva, tenho tido acesso aos cursos incríveis que eles disponibilizam. a boa notícia, é que por enquanto, estou me dedicando aos gratuitos, e você também pode (clica aqui para conferir). dentre eles, destaco o Sem Medo de Criar com Helena Obersteiner, que me ajudou horrores na semana passada, em que estava me sentindo completamente estagnada, paralisada e confusa ao olhar para tudo que gostaria de fazer e/ou conquistar, mas muitas vezes, tomada pelo medo e pela insegurança, simplesmente não vou, não faço, não arrisco.
ouvir a palavra de Helena, foi uma ótima forma de me movimentar, de desapegar um pouco da autocrítica constante que me impede de muitas coisas, inclusive de entender que o medo sempre vai existir, é presente para a maioria das pessoas e “exigir perfeição é um convite à paralisia” (Arte e Medo, de David Bayles e Ted Orland). apenas 40 minutinhos de aula foram o suficiente para aliviar um pouco da angustia que me consumiu a semana todinha, e me ajudou a focar no que eu poderia fazer naquele momento, resultando em coisas muito legais.
4. colagens que produzi a partir dos cursos
em determinado momento do curso Sem Medo de Criar, a frase “ao fazer arte, você declara o que é importante” é citada. me peguei pensando nos momentos que deixo as colagens de lado, subestimando esse ato que hoje é essencial para me enxergar como um ser satisfeito com aquilo que produzo. ainda que tenha passado meses sem que eu encostasse numa cola e numa tesoura, a boa notícia é que as colagens estão super presentes nas últimas semanas.
que possamos criar da maneira que for possível dentro do nosso contexto, depositando todo o desejo, o afeto, a criatividade, entendendo nossas limitações e lembrando sempre da frase certeira de Paulo Freire “Onde há vida, há inacabamento”.
5. trechos de entrevistas da Hilda Hilst que li
Fico Besta Quando me Entendem reúne grande parte das entrevistas de Hilda Hilst, autora que sempre me despertou grande curiosidade, e que, só conhecia pelo famoso e polêmico O Caderno Rosa de Lori Lamby. quase não consigo falar sobre essas entrevistas, que definitivamente estão entre as melhores coisas que já li. me fogem todos os adjetivos para exaltar a personalidade, a mente, a visão e irreverência de Hilda. me assustei inclusive com o quanto temos em comum. em alguns momentos, sentia como se eu mesma tivesse pronunciado aquelas palavras ou como se ela tivesse arrancado as frases da minha boca. o encontro com a visão de Hilda me ressuscitou, me balançou, me impulsionou e me trouxe muito esperança nisso que a gente chama de arte. destaco algumas das respostas de Hilda, com o desejo de transcrever quase que o livro inteiro:
“As pessoas perguntam sempre por que a gente escreve e eu fico pensando em todos os motivos que levam de repente uma pessoa a escrever e penso que a raiz disso em mim está na vontade de ser amada, numa avidez pela vida. Quem sabe também se não é uma necessidade de viver o transitório com intensidade, uma força oculta que nos impele a descobrir o segredo das coisas. Uma necessidade imperiosa de ir ao âmago de nós mesmos, um estado passional diante da existência, uma compaixão pelos seres humanos, pelos animais, pelas plantas. (…) Fala-se muitas vezes da alegria que o ato de escrever dá. Para mim escrever me provoca mal-estar, medo mesmo. É assim mais ou menos como o dia em que a gente vai fazer uma operação. Na manhã desse dia dá aquele frio escuro lá dentro da gente. Eu fico impressionada quando ouço pessoas que dizem sentir prazer em escrever. Para mim é sofrimento, um sofrimento de que não posso fugir, mas me amedronta. Penso que escrever serve mais para perdurar, para existir fora de nós mesmos, nos outros.”
“Estou convencida de que o amor é a única coisa a se viver. Minha infraestrutura é completamente amorosa. Eu queria viver sempre na paixão. Isso pode custar anos de vida, esse "viver" unicamente em função da paixão... Assim como uma corda esticada prestes a se romper... Enquanto a vida cotidiana, a vida doméstica, é uma coisa insuportável... Acho que só essa tensão, essa paixão, justifica o tempo que passamos a viver, e eu daria com muito prazer anos da minha vida para só conhecer esse estado.”
“O encantamento acaba. O que o corpo procura é o encontro, essa descoberta inicial, esse olhar inaugural, o primeiro toque, a primeira caricia... E o que vem depois disso não passa de performances que, para mim, são um pouco tristes. Nunca mais vai ser a primeira, a segunda vez. O que eu sempre procurei foi esse encantamento: encher meus olhos com um rosto e pensar: meu Deus, nessa cabeça existem pensamentos que eu não conheço. Essa cabeça pensa de um modo desconhecido para mim.”
“Eticamente algum escritor, alguma pessoa, pode assumir a tremenda responsabilidade de romper os limites que o outro aceitou, ou porque lhe foram impostos de fora ou porque ele se arrumou diante dessa conciliação com a opressão externa e o condicionamento interno de que foi vítima? Revelar ao outro que ele pode ser muito mais e pode ser ele mesmo com uma liberdade total de qualquer tipo de repressão política, econômica, sexual, religiosa, psicológica etc., eu me pergunto, não pode levar uma pessoa à morte, à loucura sem retorno? (…) Talvez algumas queiram, mas poderão aguentar a sua nova condição? Que direito tenho eu de interferir na sua vida burguesa, arrumadinha, na qual, bem ou mal, ela sobrevive? E uma questão eminentemente ética!”
“Eu não posso acreditar que eu, tendo sentido tudo que eu senti, tendo visto tudo que eu vi, tendo tido essa compaixão de espremer o coração e as vísceras, de repente, simplesmente, vou para a terra, apodreço e fim, zero, terminou. Então, desde menina essa era uma interrogação constante. A morte me abalava muito. O que é morrer? Mas como morreu? (…) Eu estou sempre preocupada com o que me rodeia, que as árvores vão morrer, os bichos, os amigos, eu mesma. Você ser feito de carne, ter vísceras e sangue, e tudo, e essa compulsão de ficar se olhando e pensando, que coisa impressionante, tudo se movendo dentro de você e daí depois, tudo isso termina... E essas sensações tão variadas e tão violentas que você teve.”
“Sabe, sinto um desconforto vivencial cotidiano diante do mundo e do problema dos outros. Tenho uma vontade imensa de resolver e de me incorporar ao problema das pessoas, e isso foi dificultando o meu existir cotidiano. E escrever é essa explosão de dizer as coisas como eu acho que elas têm que ser ditas, completamente, para passar para o outro a intensidade, a perplexidade do ser humano completamente incendiado de emoções, de procuras, perguntas e buscas.”
Uma da News de estimação