#49 - Rita Lee, Alice Munro, colagens e o que mais deu na telha
“como vai tudo bem apesar contudo todavia mas porém”
dia mundial da colagem
começo com a melhor parte! me senti contagiada pelo dia mundial da colagem (11 de maio), e aproveitei então para finalmente recortar e colar pela primeira vez na casa nova FINALMENTEEEE. para quem estava há meses sem encostar numa tesoura, até que renderam imagens boas o suficiente para compartilhar aqui. me elogiem, por favor!
Alice Munro em Fugitiva
também na semana passada, perdemos uma das poucas mulheres a serem consagradas com o Prêmio Nobel de Literatura. Alice Munro faleceu aos 92 anos. tive a primeira experiência (e única) com sua literatura no ano passado, composta quase inteiramente por contos. as premissas de suas histórias sempre me chamaram de alguma forma, não por acaso tenho mais seis livros aqui na estante me esperando, então aguardem, pois muita Alice Munro vem por aí.
Fugitiva foi o suficiente para conhecer e me intrigar pelo caráter íntimo que Alice Munro concede às suas histórias, sendo epifania uma grande característica de sua escrita, que gera algum tipo de desequilíbrio na vida das personagens em constantes conflitos consigo mesma e seus lugares no mundo dentro de uma sociedade patriarcal. Munro escancara realidade femininas que vivem o presente, mas que também são tragadas por decisões do passado. um relacionamento sem amor, uma jovem mãe que visita os pais, a educação de uma filha, o desamparo de uma esposa abandonada num hospício pelo marido, o encontro com um amor arrebatador e outras aleatoriedades aparentemente inofensivas e irrelevantes, criam grandes dilemas que mexem profundamente com o leitor. “As protagonistas de Alice Munro são mulheres que partem, que esperam, que voltam, encontrando-se e separando-se” (contracapa da edição da Biblioteca Azul).
“Ela continua tendo esperanças de que Penelope se manifeste, mas sem se desgastar muito com isso. Ela espera do jeito que as pessoas que já aprenderam sua lição esperam por bênçãos imerecidas, remissões espontâneas, coisas desse tipo.”
Fugitiva reúne oito contos, sendo três deles com a mesma personagem: Juliet em diferentes fases de sua vida igualmente angustiantes. acompanhamos o desenvolvimento e emocional dessa protagonista, que se envolve em situações definitivas, como suicídio, rompimentos, dores familiar e muito mais. os três contos renderam um filme chamado Julieta, dirigido pelo nosso querido Pedro Almodóvar, do qual gostei bastante. já nos outros contos, há espaço para o retrato de relacionamentos abusivos, dando voz à mulheres que estão sempre pensando ou arquitetando formas de fugirem do destino insosso. é admirável a forma que a autora transforma o cotidiano e as pessoas comuns em arte, com personagens que pela veracidade das dúvidas, anseios e embates pessoais que carregam, poderiam ser nossos conhecidos ou amigos íntimos. é quase como se estivéssemos ali naqueles cenários, observando de perto ou simplesmente os conhecendo e ao mesmo tempo, nos identificando. a narrativa pouco óbvia, direta e sem clichês de Munro, é um diferencial que leva algumas páginas para nos adaptar, e acaba valendo a pena cada segundo,
“Para dizer a verdade, ela não sabe até hoje se aquelas palavras foram ditas, ou se ele apenas pegou-a, pôs os braços em volta dela, apertou-a com tanta força, com pressões tão contínuas, tão cambiantes, que parecia que mais de dois braços eram necessários, que ela estava cercada por ele, por seu corpo forte e fácil, exigindo e renunciando a tudo de uma vez, como se ele estivesse dizendo a ela que ela estava errada em desistir dele, que tudo era possível, mas que por outro lado ela não estava errada, ele queria ficar gravado nela e ir embora.”
feira rasga & quebra
para quem for de SP, vai rolar uma das feiras que mais adoro lá na Ocupação 9 de Julho. estive presente na edição do ano passado e é um acontecimento lindo demais, com artes que arrepiam de tão lindas, e eu não perderia por nada. um desbunde para os olhos e o coração.
a catástrofe no Rio Grande do Sul infelizmente segue e não acabará tão cedo
o post abaixo passou pelo meu feed e coincidiu com muitos pensamentos que estavam reverberando por aqui desde que a tragédia se iniciou. vale a pena a leitura e reflexão do texto.
“Todo mundo que pôde doar fez certo. Mas essa onda respeita, sem perceber, as mesmas lógicas de engajamento de conteúdo das redes. E segue a previsibilidade de como essa conversa deve se encerrar na próxima semana. Foi assim com Brumadinho, Petrópolis, na Bahia e no litoral de São Paulo — e pode ser assim com o Rio Grande do Sul se algo não mudar na nossa forma de agir.” destaca o jornalista Bruno Torturra.
li as autobiografias de Rita Lee
como boa criança que cresceu na transição dos anos 90 para 2000, Rita Lee fez parte da trilha sonora da minha infância. lembro-me claramente de como eu e meus irmãos segurávamos o riso enquanto na tv, Rita cantava em algum programa “Amor é divino/Sexo é animal/Amor é bossa nova/Sexo é carnaval”, com as bochechas coradas tentávamos fingir que mal prestávamos atenção aos adultos presentes na sala ou à própria Rita Lee. mas como é possível não prestar atenção na mulher de cabelo vermelho vivo que cantava sobre sexo em rede nacional? essa é a primeira lembrança que tenho de Rita. não vou mentir e dizer que me apaixonei, e desde então a ouvia infinitamente. a verdade é que passei anos sem voltar a ouvir, afora os sucessos que tocavam na rádio. e mesmo sem ouvi-lá por muito tempo, reconhecia claramente sua voz e me deparava com alguma fala que me despertava admiração. falas sinceras, ousadas e nem um pouco convencionais, falas que não costumavam sair da boca de qualquer mulher naquela época. nos últimos anos somente é que retornei para suas músicas, e logo me lembrei do quanto me animava profundamente ao ouvir sua voz nas músicas Bem-Me-Quer, Tatibitati, Coisas da Vida ou Ovelha Negra, dai não parei mais!
em Rita Lee: Uma autobiografia e Rita Lee: Outra autobiografia, a cantora resgata na memória o próprio nascimento e educação, os dilemas familiares, passando pelo encantamento com a música e a criação das primeiras bandas que participou, sendo Os Mutantes uma delas. Rita registra ainda como conheceu Roberto de Carvalho — amor de sua vida — e os trabalhos em conjunto que realizaram. tudo é narrado com bom humor, sinceridade extrema acompanhada de deboche e simplicidade. a sensação é de estar tomando um café com Rita Lee, um café regado à fofocas pessoais e histórias de bastidores, envolvimento com drogas e bebidas, prisão e tudo que a acompanhou na produção e evolução musical ao longo das décadas. houve altos e baixos na vida da cantora, e o contagiante é justamente sua visão de mundo, sua honestidade consigo em relembrar sem piedade de si própria, sem arrependimentos ou aquela busca desnecessária por redenção, apenas registra no papel quem foi e quem é hoje. afinal, como a própria eterniza em Saúde, minha música favorita dela: “como vai? tudo bem! apesar, contudo, todavia, mas, porém” e sempre teremos os nossos poréns, não é mesmo?
“Quando dizem que a idade está na cabeça, meu fígado e minha coluna dão uma risadinha sarcástica. Mulheres têm a idade que merecem, homens serão sempre crianças. É uma série de imagens que mudam ao se repetirem. É um tal de política destruindo a liberdade, de medicina destruindo a saúde, de jornalismo destruindo a informação, de advogados e policiais destruindo a justiça, de universidades destruindo o conhecimento, de religiões destruindo a espiritualidade. Confie em Deus, mas tranque o carro.”
em sua segunda autobiografia, percebemos uma intimidade ainda mais profunda com a cantora, marcada pela coragem em relatar as dores da luta contra o câncer de pulmão durante a pandemia do covid, descrevendo-o como “um elefante deitado sobre o lado esquerdo do meu corpo”. sem nos poupar, conta do estado de extrema vulnerabilidade e desesperança que vivenciou, e ainda assim, tentando manter o bom humor, a leveza tão característica de sua personalidade. uma bonita reflexão sobre a própria existência, o fim iminente e o que deixamos para aqueles que ficam: “se por acaso morrer do coração/ é sinal que amei demais/ mas enquanto estou viva/ cheia de graça/ talvez ainda faça um monte de gente feliz”.
hoje eu achei no sebo o fugitiva que saiu pela cia e quase agora assinei sua newsletter. e a última edição fala exatamente desse livro, achei sincrônico.
Estão lindas as colagens, adorei! E obrigada pelas leituras