a última edição contendo a carta aberta de minha mãe (clique aqui para ler) resultou em tantos comentários bonitos, que matutei comigo mesma acerca do impacto de registrar o pessoal através da escrita, como muito tem se visto por aí com escritores que inclusive admiro e adoro ler (Annie Ernaux, Édouard Louis, Conceição Evaristo, Tove Ditlevsen).
é curioso o quanto compartilhamos fragmentos do cotidiano, sejam bonitos, atraentes, engraçados ou contemplativos. uma leitura ou comida, um lazer, o gato sendo fofo e tudo que de alguma forma proporciona paz e desejo, ou até comparação para o outro lado. mas da minha parte, quando penso em ousar compartilhar uma dor, tudo muda e assusta. crio 78 teorias na cabeça de que as pessoas achariam um absurdo ver algo tão pessoal, sendo que o tal pessoal, é essencialmente o que sou tanto quanto a leitura, a comida ou o gato.
mesmo que eu tenha deixado claro algumas vezes o quanto o processo da mudança de casa foi e está sendo esgotante, bem como a adaptação a um novo trabalho, e tantas outras peças para administrar de uma vez, existem também acontecimentos nos últimos meses que não me cabia destacar aqui, que trabalhei intimamente e exclusivamente comigo mesma, mas que interferem justamente na minha produtividade ou na minha entrega profissional, bem como nas minhas leituras, disposição, alimentação, ânimo e todo o estar no mundo. foram lutos, inseguranças, cisões e dores que se juntaram numa bola de neve.
o ponto é que quando dei por mim, uma angústia terrível me consumia por completo a ponto de não comer ou dormir direito por semanas, chegando a perder 10kg repentinamente, e só notando quando minhas roupas mal paravam no corpo (ainda que todas as pessoas ao meu redor se assustassem ao me encontrar e comentassem minha fisionomia claramente modificada). hoje ao olhar meu corpo no espelho, me incomodo a ponto de ceder para a academia no objetivo de tentar recuperar o vigor, diminuir a pequena flacidez e exercer algum controle sobre este corpo que parece uma locomotiva descontrolada, o que não me imaginava fazendo nem em um milhão de anos até dois meses atrás.
tudo isso para dizer que: é difícil acreditar que as pessoas nos acompanham porque de fato querem saber mais sobre a gente para além do livro que gostamos ou do filme que indicamos, para além de produtos. o cotidiano gera identificação e pessoalidade, que é importante para a conexão com o outro dentro e fora das telas. ainda que a insegurança e o medo da exposição por vezes fale mais alto, têm sido uma experiência ótima compartilhar mais das minhas vulnerabilidades e alegrias por aqui.
por isso, deixo aqui uma lista não solicitada de 11 curiosidades aleatórias sobre a minha pessoa:
tenho dificuldade em ser breve. notei desde que comecei a produzir conteúdos sobre literatura. quando me dou conta, já escrevi parágrafos imensos, sendo grande parte deles até repetitivos pela empolgação em ressaltar uma ideia.
não gosto e nunca gostei de café. ainda assim, meu grande hobby é conhecer cafeterias superfaturadas por São Paulo (adoro as comidinhas e outras opções de bebida).
nunca consumi nada alcoólico e nenhum tipo de droga. sempre que as pessoas percebem que não bebo, acham que é por causa de religião, mas o motivo é pelo histórico familiar que me amedronta completamente (ainda que tenha frequentado muitas baladas, festas universitárias e bares na adolescência)
como já devem ter percebido pelos tópicos acima, sou uma pessoa bastante limitada para comer. é mais fácil fazer uma lista dos alimentos que como do que os que não como (um traço bem chato da minha pessoa).
só ando do lado direito das pessoas.
desde muito pequena nutro forte obsessão por papéis. segunda minha vó, eu andava com lápis e blocos pela casa, tomando gosto em colecionar papéis de carta, folhas de cadernos, adesivos ou selos. talvez por isso o objeto livro tenha me fascinado tão cedo. essa mesma obsessão que talvez também tenha me feito começar a praticar colagens.
dos meus 26 anos de vida, cerca de 18 passei roendo unhas. consegui parar e minhas unhas se tornaram uma das poucas partes que gosto de verdade no meu corpo. chego a ficar olhando e admirando obsessivamente. infelizmente, transferi a compulsão de comer unhas para os dedos e meus dedos vivem em carne viva 🫠.
amo amo amo as tirinhas de Calvin & Haroldo. tenho uma vasta coleção e aumento essa coleção sempre que posso!
minha coordenação motora e noção espacial são vergonhosas. não sei ver horário em relógio de ponto e me confundo com esquerda e direita quando estou sob pressão. geografia e história são áreas que entendo tanto quanto como projetar um prédio de 56 andares.
sou extremamente impulsiva e por vezes inconsequente ao seguir meus desejos.
como qualquer leitor desta newsletter já deve ter notado, citações são o meu fraco. encontrar passagens marcantes em meio a um livro, talvez seja o que mais gosto no ato de ler. para ilustrar o fato, deixo aqui uma que me deparei por aí e fui doida atrás do livro que já até chegou:
“O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque sabe que é mortal. Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa o lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca do seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver. B ninguém nos pede contas dessa intimidade.” (Como um romance, de Daniel Pennac)
“Não se pode amar alguém sem estar disposto a se destruir.”
no mês passado, peguei Eu Amo Dick para ler, e o perigo das grandes expectativas é justamente a frustração né? me irritei, me perdi nas tantas referências, nomes e coisas aleatórias e custei a chegar ao fim do livro. maaaas a série Todos Amam Dick (disponível no prime video) foi uma experiência bem boa pela dinâmica tão original e bastante bem humorada.
trechos como “Querido Dick, estive acordada toda a noite descrevendo o seu rosto. Por que está nos fazendo isso? Eu caio em seus braços. Nos beijamos. O primeiro contato obrigatório antes de transar. Meu amor por você é absolutamente infundado. Tudo o que passou entre nós, volta de novo à feiura e à identidade.” ilustram a fantasia completa da protagonista, que adota um caráter obsessivo e infundado por Dick, sabendo pouquíssimo sobre ele. acompanhar as maluquices que se estruturam em todos os personagens a partir desse deslumbramento, é bom demais!
“Querido Dick, isso é sobre obsessão. Como nunca nos conhecemos antes? Isso é sobre a saudade de você antes de te conhecer”. através de cartas que escreve a princípio com o marido como uma estratégia de reacender a relação, Chris Kraus evidencia toda complexidade do seu desejo e sexualidade, que ultrapassa todos os limites convencionais de seu casamento, da própria intimidade e até da ideia que tinha sobre si mesma. logo percebemos que a própria não está tão interessada na pessoa por trás da idealização que criou, pois sua fantasia profunda e conturbada faz sentido apenas na sua cabeça, e quando a tal paixão desinflamar, ficará apenas com o peso da realidade.
“Querido Dick, nunca tinha percebido antes como um encontro pode alterar a vida de alguém. Já conheci gente carismática antes. Já me aqueci no brilho deles. Nunca vi ninguém quebrar tão rápido a pessoa que demorei décadas para construir.”
para além de estranhices e situações inusitadas que geram risadas e um estranhamento no bom sentido, há cenas bonitas com perspectivas acerca do desejo, amor e autoimagem de outras personagens femininas que aparecem brevemente, mas o suficiente para marcar o telespectador de alguma forma:“Perdi meu pai aos quatro anos e éramos só nós duas. Amava cada parte dela. As orelhas, o pescoço, e principalmente as mãos dela. Eram tão macias, quentes e suaves. Costumava implorar para ela cortar uma das mãos e me dar para poder tê-la só para mim. Eu a seguia por todo o lado. Gostava de vê-la fazendo suas coisas à noite. Colocar loção, fio dental, enquanto me falava do seu dia.”
TÁ SABENDO DO FESTIVAL SERROTE?
fui convidada para assistir uma das mesas que acontecerão nos dois dias de festival, e a mesa é com o querido e brilhante Alejandro Zambra!!!! vou aproveitar para assistir mais alguns debates, e recomendo fortemente que você também confira a programação completa que está uma beleza!
MÚSICA DA SEMANA
Lhasa de Sela tocou em alguns episódios de Todos Amam Dick e me apaixonei de primeira! destaco Fool's Gold por ser a que mais me pegou e mais ouvi nos últimos dias, mas todas as outras são incríveis também, ouçam.
Esse seu texto me fez lembrar desse aqui… https://box1824.com/empatia-narrativa-o-poder-das-historias/?utm_campaign=institucional_31_-_o_poder_das_historias&utm_medium=email&utm_source=RD%20Station
escrever sobre mim é algo que sempre fiz, mas compartilhar já é tão diferente, né? mlde outro lado, se mostrar para o mundo como somos também pode ser libertador. adorei a news! fiquei encafifada contigo andando somente do lado direito das pessoas e curiosa para saber se existe uma explicação prática. abraços!